Passei um largo tempo de minha adolescência ouvindo as pessoas dizerem e repetirem: “São Paulo é a locomotiva que move o Brasil”. Nós os gaúchos retrucávamos em uníssono: “ E o Rio Grande do Sul é o celeiro do país”. Decorridas cinco décadas as coisas mudaram: nosso estado não é mais o “grande celeiro” e a “locomotiva paulista” perdeu velocidade.
Todos sabemos que o desenvolvimento agrícola da região centro-oeste (Mato Grosso e Goiás) e dos outros dois estados da região sul, (Paraná e Santa Catarina) descentralizaram a produção agrícola do país o que resultou na redução da nossa participação na produção primária nacional. Beneficiado pelo ciclo do café – o aumento da produção e dos lucros possibilitaram a acumulação de capital que financiou o início da industrialização brasileira -, São Paulo é, há bem mais de um século, o mais importante estado brasileiro. Proclamada a República, dirigiu o país incontestavelmente, formando com Minas Gerais o eixo da política “café com leite” que vai até 1930. O presidente da república era preferencialmente paulista e até poderia ser mineiro; já o ministro da fazenda sempre foi paulista.
No início dos anos quarenta São Paulo produzia 31% do PIB brasileiro. Esta participação foi paulatinamente aumentando e atingiu seu pico em 1975, ano em que superou os 40%. Do final dos anos setenta até 2014, com algumas oscilações sua participação foi diminuindo, voltando aos 31%, a mesma de sete décadas passadas. A economia paulista continua sendo importante, é ainda responsável por quase um terço da produção nacional, mas os números informam que nas quatro últimas décadas o estado cresceu menos do que o resto do país.
São Paulo, em relação ao Brasil tende a ser o mais “em tudo”. No positivo e no negativo: para o bem e para o mal. Sua capital é, de longe, a nossa maior metrópole, gera quase 10% do PIB do país, o mais importante centro financeiro, cultural e esportivo. Mas também registra os maiores índices de criminalidade e tem as polícias – civil e militar – mais violentas do país. Na política abriga e elege há mais de um século governantes e governos conservadores ou ultraconservadores. O manto da modernidade paulista oculta que ali está o que de mais atrasado existe na oligarquia brasileira. Por outro lado, não é nenhuma coincidência que o início da derrocada do Partido dos Trabalhadores tenha origem em São Paulo e daí contaminado o partido em todo país. As dramáticas e suspeitas mortes do Toninho do PT e de Celso Daniel foram “pontos de inflexão”, sinais que indicavam rumos tortuosos.
De 1964 até 1982 São Paulo teve governadores da ARENA nomeados pelo governo Militar. Em 1983 assumiu o primeiro governador eleito, Franco Montoro, do PMDB. Foi sucedido por Orestes Quércia e Luiz Fleuri, ambos do PMDB. De 1995 em diante o estado foi governado pelo PSDB: Mario Covas, Geraldo Alckmin, reeleição de Alckmin, José Serra, Alberto Goldman e novamente Alckmin, que governará até o final de 2018.
A corrupção existe no Brasil e em todos os países do mundo. Em uns mais e em outros menos. No Japão quando um político ou empresário é flagrado, antes que o sistema o puna, faz o haraquiri. Nos países anglo-saxões a justiça e os controles são mais rígidos: frequentemente a justiça pune. Já nos países latinos e no Brasil, especialmente, a corrupção e a impunidade correm soltas. E dentre todos os estados, São Paulo é, disparado, o grande campeão. Lá pelos anos quarenta São Paulo começa a contribuir para o folclore político brasileiro com uma figura digna de almanaque: Ademar de Barros, o homem do “rouba mas faz”. Foi interventor nomeado por Getúlio, acabou prefeito da capital e governador do estado. Como viveu num período do pré-capitalismo financeiro, não teve a facilidade de poder utilizar as contas CC5. Segundo reza a lenda, construiu dezenas de casamatas de concreto no interior do estado onde guardava em espécie milhões e milhões de dólares “mal havidos”. Anos depois, já em plena ditadura militar surgiu uma outra figura que superou Ademar: Paulo Maluf. Foi também prefeito da capital e governador. Contribuiu para o enriquecimento do vernáculo pátrio ao inspirar um novo verbo: ”malufar”. Figurou com grande destaque numa “gold list” internacional dentre as maiores ameaças à integridade dos recursos públicos. Integrante da lista do procurados pela Interpol, no Brasil continua circulando por aí leve e solto.
Já em plena abertura um outro personagem se “destacou”. Prefeito da Campinas, Orestes Quércia foi também governador. Quércia, de origem pobre, depois de uma longa vida pública, morreu muito rico, sua fortuna foi estimada em mais de um bilhão de reais. Difícil de explicar.
Em 1995 Mário Covas inicia o longo ciclo do PSDB. A partir dele, a lista das personagens sinistras, ameaça à integridade dos recursos público é longa. Maluf deixou uma “cria” que ainda este ano foi preso pelo FBI por desvios na CBF: José Maria Marín. José Serra foi denunciado no livro “Privataria tucana” pela participação no “botim das privatizações” dos governos FHC. Na prefeitura paulista tivemos vários escândalos nas gestões de Celso Pitta e Gilberto Kassab. Pitta, outro discípulo de Maluf, foi denunciado e preso. Kassab chegou a ser cassado mas, favorecido por decisão judicial em segunda instância, reassumiu o cargo. Nos seis anos do seu governo a chamada “máfia dos auditores fiscais” desviou mais de meio bilhão de reais da Prefeitura. Além dos auditores, o subsecretário de finanças e vários diretores de departamento da área fazendária foram indiciados por participação no esquema. Por fim, foi recentemente descoberta a “cereja do bolo”. Apesar da blindagem da grande imprensa que sistematicamente esconde os malfeitos do tucanato paulista, veio a público o escândalo do metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo. Bilhões e bilhões foram superfaturados nos governos Serra e Alckmin, beneficiando quinze empreiteiras, dentre elas a Siemens e a Alstom em mais uma grande farra com o dinheiro público.