Pedro Simon encerrou recentemente sua carreira política. Em janeiro próximo ele completa 92 anos. É, pois, momento oportuno para realizar uma análise crítica de sua longa trajetória na vida pública.
Dentre os políticos brasileiros ele teve, certamente, a mais longeva carreira. Se elegeu vereador de Caxias do Sul pelo PTB de Brizola em 1958 e encerrou seu último mandato de senador em 2015, quase seis décadas depois.
Um mandato de vereador, quatro de deputado estadual e quatro de senador totalizam mais de cinquenta anos de exercício de cargos legislativos. No executivo foram apenas quatro anos, três como governador do estado (1987/1990) e apenas um ano como ministro da agricultura de José Sarney (março de 1985 a fevereiro de 1986).
Com o golpe militar de 1964, instituído o bipartidarismo, filiou-se ao MDB, partido onde permaneceu até encerrar sua carreira política. Político melífluo, cauteloso, moderado, fez uma oposição consentida, que nunca lhe trouxe risco de cassação. Muito pelo contrário, foram frequentes suas visitas aos sucessivos generais comandantes do III Exército ao longo dos vinte e um anos do período de exceção. Simon cultivou o velho e garantidor ritual do beija-mão.
No MDB foi se afastando do nacional-desenvolvimentismo brizolista, desistindo, se é que algum dia acreditou, do projeto de construção de um Brasil forte e soberano. Migrou para o novo “ninho”, passando a defender políticas de redução do estado e de venda do patrimônio público. Por identidade de interesses passou a ser um político “queridinho” da RBS, empresa que há quase sessenta anos defende as pautas entreguistas da atrasada oligarquia gaúcha. Simon se tornou o principal porta-voz do poderoso conglomerado midiático, principal força política da direita no Rio Grande do Sul.
Sua gestão como governador do estado (março/1987 a 1º abril/1990) foi medíocre, baixíssimo nível de investimentos e difícil relação com os servidores estaduais. O CPERS exigiu o pagamento do piso de dois salários mínimos e meio, Simon se negou pagar provocando uma greve de 90 dias.
Na eleição anterior para governador, em 1982, Simon disputou com Jair Soares (PDS), na primeira eleição direta pós ditadura. Pleito difícil, resultado imprevisível, disputa voto a voto. Simon, sete horas antes de encerrada a apuração amarelou, prematuramente reconheceu a derrota, desmobilizou suas equipes de fiscalização da contagem dos votos. A diferença de votos pró Jair foi de apenas 0,7%. Segundo alguns comentaristas políticos, Simon “entregou” ao adversário uma eleição em que poderia ter vencido.
Ao longo destas últimas seis décadas Pedro Simon consolidou a posição de maior liderança do MDB gaúcho. É a cara do partido, sua expressão genuína. Um partido fisiológico que opera a política como um balcão de negócios, num vergonhoso “toma lá dá cá”.
Para fortalecer e consolidar seu projeto privatista-entreguista- neoliberal no estado a RBS e Pedro Simon desde meados dos anos oitenta escolheram o PT como alvo preferencial de seus virulentos ataques. Uma espécie de vale tudo que fabricou falsas versões, sem preocupação com a veracidade aos fatos. A verdade é o que menos interessava.
Em meados dos anos noventa, no governo Antônio Brito (MDB), tivemos os episódios da GM e da Ford, exemplos de mau jornalismo e de manipulação dos fatos. Acusaram o PT de ter mandado a Ford embora, montando uma farsa que contou com o apoio de FHC, então Presidente da República. Recentemente, duas décadas depois, a verdade aflorou, a farsa veio à tona. Houve também a renegociação da dívida do estado com a União. Brito assinou a repactuação em termos extremamente prejudiciais às finanças estaduais, assumiu uma dívida impagável, como em seguida se viu. Um desastre. A RBS e Simon saudaram a negociação como um grande avanço, a solução para o grave problema das finanças gaúchas. Houve também, ainda no governo Brito, a assinatura de contratos de pedágio, firmados em termos lesivos aos interesses dos gaúchos, pois garantia abusivas taxas de retorno para as empreiteiras. Simon e a RBS também soltaram foguetes.
2013 foi um ano crucial na política brasileira, um marco na mudança de rumos que resultaram no golpe que vitimou Dilma Roussef, reeleita Presidenta da República no ano seguinte.
Em várias cidades brasileiras surgiram manifestações populares que, na sua origem, protestavam contra o aumento das tarifas do transporte coletivo. O movimento paulatinamente foi assumido, ampliado e liderado por organizações de direita (MBL, inicialmente e depois pelo “Vem pra Rua”), assumindo um caráter antipetista, neoliberal e fascista. Não aceitando o resultado das urnas a direita começou a virar a mesa, passando a tramar abertamente a deposição de uma presidenta legitimamente eleita.
Pois é exatamente no final de 2013 que Simon lança um livro, intitulado “Fé e Política”, em homenagem ao papa Francisco que naquele ano visitava o Brasil. Segundo Simon, a simplicidade, a renúncia ao luxo e à pompa de Francisco eram exemplos a serem seguidos, revelavam sua opção pelos pobres e desvalidos. O papa indicava, segundo Simon, o caminho a ser trilhado pela “nova política”, que deveria abandonar os gabinetes e buscar o convívio do povo.
Simon apoiou manifestações que só depois soubemos, foram manipuladas e que contaram até com recursos vindos do exterior, para promover o golpe. Paralelamente a operação Lava Jato, cometendo as maiores ilicitudes da história do judiciário, avançava num processo de furiosos ataques ao PT que culminaram em 2018 na prisão de Lula. Tudo orquestrado e com apoio da grande mídia e, é claro da RBS, sócia e “madrinha” de Pedro Simon.
Simon é o típico político tradicional, que passou mais de cinquenta anos tramando em gabinetes legislativos, a léguas de distância do povo. Defendeu todos os governos gaúchos entreguistas e privatistas, apoiou da farsa Lava Jato até o seu estertor. Ele não tinha nenhuma legitimidade para se apresentar como defensor de um “governo popular”. Pelo contrário, votou a favor do golpe, contribuindo para destruição da frágil democracia que existia no país, o que tornou possível a eleição do abominável.
Simon foi, certamente, o maior ilusionista da história política do Rio Grande. Muitas vezes piou à esquerda, mas sempre, religiosamente, colocou seus ovinhos à direita.
Antes de encerrar sua carreira política Simon prestou um último grande desserviço ao país. Com o propósito de limitar a indicação pelos governos do PT de novos ministros do Supremo, elaborou a PEC 457/2005, chamada de PEC da bengala, que passou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo. Ora, os atos e decisões do STF historicamente tem revelado sua fragilidade institucional. Um ministro nomeado com pouca idade poderá exercer um cargo de enorme poder por 30 anos ou mais, um poder absoluto, imperial que o exime de prestar contas de seus atos à sociedade. Cresce no país o consenso de que a consolidação da frágil democracia brasileira depende, e muito, de uma profunda reforma do judiciário e em especial do STF. Controles externos deverão ser criados, mudança na sistemática de escolha dos seus membros. Hoje os ministros participam sem nenhum constrangimento da disputa política, algo incompatível com a natureza de suas funções. Urge, também, reduzir drasticamente a duração dos seus mandatos. A PEC da bengala é um flagrante retrocesso, está na contramão na história. Exatamente por isso, é a cara do seu autor.