Pensamento crítico sobre Porto Alegre, o Brasil e o Mundo.

O BRASIL E A GUERRA DA UCRÂNIA

Quase cinco décadas de hegemonia de políticas neoliberais tornaram o capitalismo ainda pior. A partir do final dos anos setenta a economia dos Estados Unidos e dos países europeus tem registrado baixo crescimento, combinado com um brutal do aumento das desigualdades. Um cidadão médio americano ou europeu tem hoje um padrão de vida inferior ao do seu pai, que já teve uma vida pior do que a do seu avô.
A economia vai mal e, em consequência a vida do cidadão médio piorou, mas uma minoria de afortunados vai muito bem, obrigado. Segundo dados divulgados pela OXFAM, o número de milionários e bilionários no mundo cresce exponencialmente: em 2020 apenas 2.153 bilionários eram proprietários de 60% da riqueza do planeta!
A deterioração do padrão de vida da grande maioria da população trouxe como consequência um indesejado ressentimento, fragilizando a já debilitada democracia liberal: fortaleceram-se os partidos da direita. Clara evidência disso foi recente eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o crescimento de bases militares da OTAN numa Europa cada vez mais militarizada, xenófoba e racista, que discrimina e fecha suas portas aos imigrantes.
O capitalismo vai mal, mas, em contrapartida, o gigante chinês vai bem: segue crescendo, embora hoje em ritmo menor do que dez anos atrás. A China já disputa com os Estados Unidos o primeiro lugar como “maior economia do mundo”. Este modelo híbrido de sociedade, que combina controle estatal e economia de mercado, se diferencia e supera o capitalismo neoliberal: traz crescimento econômico e significativa melhoria das condições de vida da maioria da sua imensa população.
Nesta terceira década do século XXI, decorridos quase seis séculos de uma incontestável hegemonia ocidental-cristã, surgem claros sinais de um deslocamento do eixo dinâmico central da economia mundial para a Ásia. A nova Rota da Seda anunciada pela China é o símbolo da ameaça que vem do Oriente. No tabuleiro geopolítico internacional há um visível aumento da tensão, a cada dia que passa cresce um clima de confronto.
O avanço da direita no mundo e, sobretudo aqui no Brasil, expôs a fragilidade de um processo civilizatório ocidental-cristão, algo que não imaginávamos pudesse existir. A eleição do Bolsonaro deu voz a dezenas e dezenas de milhões de brasileiros que não só aceitam, mas apoiam a tortura, o racismo e, ainda, promovem o ataque às minorias. Depois de mais de três anos de Bolsonaro as pesquisas informam, pasmem, que ele ainda tem o apoio e a aceitação de 25% a 30% do eleitorado brasileiro. Essa massiva “explosão da estupidez” revelou a verdadeira face de uma sociedade que escondia nos seus porões o que de pior pode existir na natureza humana.
Um livro recentemente publicado nos Estado Unidos, de autoria do cientista político Yascha Mounk (“O povo contra a democracia”), conclui, com base em sólidas pesquisas que a grande maioria dos norte-americanos não se preocupa com a preservação dos valores de uma sociedade democrática: querem, na verdade melhores condições de vida, pouco se importando qual seja o preço a pagar. Nos Estados Unidos, como na Europa. a maioria da população, pressionada, pelos baixos salários, pelo aumento do desemprego, pela volta da inflação e pelo elevado nível de endividamento, deu uma forte guinada à direita. Em alguns países da Europa há um assustador crescimento do fascismo.
Depois de mais de um século de domínio do império inglês, a partir no final da segunda grande guerra os Estados Unidos se tornaram a maior potência do mundo. Afinal, produziam 50% do PIB mundial, tinham o dólar como moeda referência das trocas internacionais, além de uma indiscutível liderança tecnológica. Durante as quase oito décadas que se seguiram, usaram e abusaram do seu poderio econômico e militar para impor à grande maioria dos países do mundo políticas unilaterais que atenderam seus interesses.
Nesta terceira década, conforme já observamos, a ascensão da China e a recuperação da economia russa indicam uma mudança na correlação de forças nas relações internacionais. O episódio da invasão da Ucrânia é um exemplo ilustrativo do novo contexto.
Era absolutamente previsível a reação russa. Todos sabiam que Putin não poderia aceitar que um governo títere dos americanos na Ucrânia autorizasse a instalação de mísseis nucleares da OTAN a poucos quilômetros de Moscou Os Estado Unidos arriscaram: fizeram uma provocação perigosa e Putin deu a única resposta possível. Perigosa jogada americana que ultrapassou os limite que a boa prudência exige, criando o risco de um confronto de potências nucleares.
Além de avançar além dos limites que a prudência pede, os americanos impuseram à Rússia sanções muito graves que excederam o aceitável: expropriação de valores de propriedades de empresas e de cidadãos russos nos Estados Unidos e na Europa, congelamento dos títulos russos no Tesouro Americano e até ameaça de sanções à Alemanha se mantiver a compra do gás russo, dentre outras. Mas estes serão temas de um próximo texto.
A mídia ocidental fez o óbvio, cumpriu seu papel: condenou veementemente a invasão. A própria esquerda brasileira, grande contingente de petistas, inclusive, embarcou nesta canoa furada. Gente boa, pacifistas, humanistas cheios de nobres intenções: à noite rezam seu terço e oram por um mundo melhor, sem violência.
O mais lamentável deste episódio é que a estratégia de Putin não deu certo. Ele imaginava uma guerra rápida, com a rendição de Zelensky e a assinatura de um tratado de paz, o que não ocorreu. A guerra se arrasta e a cada dia que passa Putin perde
O bombardeio midiático, global e brasileiro contra a guerra e contra a Rússia, recrudesceu aquele velho sentimento anticomunista no Brasil, por décadas e décadas cultivado pela nossa direita. Sentimento que dormitava e que agora desperta. Não há nenhuma dúvida: a guerra da Ucrânia fortalece a candidatura Bolsonaro.
Este ano de 2022 é um marco da história contemporânea. A guerra da Ucrânia não é apenas mais uma dentre dezenas e dezenas de guerras e conflitos. É um marco, ponto de inflexão, um conflito que agudiza o acirramento de um confronto previsível de uma disputa inevitável. É o prenúncio de mudança no equilíbrio geopolítico mundial
Aqui no Brasil este ano se decide tudo. É, certamente o ano mais importante dos mais de 130 anos de nossa história republicana. Vamos saber se 2023 o país inicia sua reconstrução e volta a ter esperança ou se permanece na barbárie, aprofundando sua destruição.

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