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Marchezan Júnior, o Manipulador

Há no Brasil, infelizmente, uma cultura de manipulação do orçamento público. Em todos os níveis de governo as autoridades fazendárias se submetem às pressões dos interesses políticos, transformando o orçamento numa ficção. Com indesejável frequência, receitas e despesas são sub ou superestimadas, investimentos inflados prometem obras que não serão executadas. Quem acompanha e analisa as finanças públicas sabe disso. É por isso que a experiência do Orçamento Participativo foi um importante avanço. Ao democratizar o uso dos recursos públicos, criou um espaço para o cidadão defender suas demandas por obras e serviços.

O prefeito Marchezan Jr., todavia, tem exagerado na dose. No período de transição, antes de assumir começou a pintar com cores exageradas um falso quadro. Afirmou que a Prefeitura de Porto Alegre vivia uma crise estrutural, que estava à beira da falência, numa situação tão precária quanto a das finanças do Estado. Seu secretário municipal da Fazenda, um auditor estadual, profissional da área das finanças sabia, é claro, que seu “chefe” estava falando bobagem. No entanto, não tentou ou não quis dissuadi-lo. Assinou em baixo, confirmando aquele velho ditado que diz: “a fruta não cai longe do pé”.

O governo estadual tem uma dívida consolidada líquida que é 2,1 vezes o valor de sua receita anual; na Prefeitura de Porto Alegre ela representa apenas 19% da receita. Proporcionalmente a dívida do tesouro estadual é onze vezes maior do que a da fazenda municipal. O Estado consome 16% da sua receita com o pagamento de juros e amortizações, a Prefeitura apenas 4%, quatro vezes menos. Por fim, o Estado não encaminhou solução para o preocupante crescimento da despesa com aposentados e pensionistas. Já a Prefeitura terá no futuro desembolsos cada vez menores com previdência porque criou em 2002 uma autarquia, o Previmpa e o regime de capitalização que, a partir daquele ano, passou a assumir os encargos que até então eram do regime de repartição simples.

É claro que o factoide do Júnior tem a clara intenção de justificar o arrocho salarial. Não satisfeito, foi além, propôs a supressão de direitos históricos dos servidores. A alegada insuficiência de recursos serve, também, como pretexto para as privatizações.

Além de não conceder o reajuste de maio previsto em lei, o Júnior aumentou a contribuição previdenciária em 3% e, partir de junho, começou a parcelar o pagamento dos salários. Justificou alegando falta de recursos. Foi desmentido pelo balanço orçamentário do 2º quadrimestre de 2017 que registra um superávit de 183,6 milhões de reais nos primeiros oito meses do ano.

Neste mês de outubro enviou à Câmara o projeto de lei orçamentária (LOA) para o exercício de 2018. O projeto da LOA/2018 do Júnior é um disparate. Registra um déficit absurdo, de 708 milhões reais. Ora, um orçamento estima receitas e autoriza as despesas do ano seguinte, meras projeções. O Júnior teima em exagerar: superestimou despesas para anunciar um déficit que certamente não vai ocorrer. E, se ocorrer, será uma prova da total incompetência da sua gestão

Vamos demonstrar a inconsistência da LOA/2018 com base na despesa de 2016 e dos primeiros dez meses de 2017, confrontada com a proposta na LOA/2018 dos quatro grandes agregados: investimentos, outras despesas correntes, pessoal e encargos sociais e o pagamento de juros e amortizações da dívida, ou seja, a quase totalidade do orçamento municipal.

Comecemos com o investimento. Em 2015, a Prefeitura investiu 223 milhões, 257 milhões em 2016 e este ano, até o final de outubro apenas 130 milhões o que está a indicar que o investimento em 2017 poderá chegar em algo em torno 160, no máximo 170 milhões de reais. O projeto da LOA/2018 prevê um investimento de 441 milhões, ou seja, mais de 2,5 vezes o deste ano. Como será possível investir duas vezes e meia a mais em 2018 num cenário de alegada crise e com a previsão de um déficit que supera os 700 milhões de reais? Há no investimento uma previsão de despesa superestimada em, pelo menos, 150 milhões de reais.

Na estimativa do agregado “outras despesas correntes” os números da despesa de 2016 e da realizada até outubro de 2017 evidenciam que o montante proposto para 2018 é fantasioso. Em 2016, o gasto com serviços de terceiros e materiais de consumo totalizou 2,133 bilhões de reais. De janeiro a outubro deste ano ocorreu uma redução de 10,8% o que está a indicar que o gasto dificilmente atingirá o teto dos 2 bilhões de reais. O projeto de lei autoriza para 2018 uma despesa de 2,45 bilhões, montante que excede em 350 milhões o que será efetivamente gasto.

A despesa com pessoal e encargos do período de setembro de 2016 a agosto 2017 teve um acréscimo de apenas 3,7% em relação à despesa dos doze meses anteriores. Com o aumento de 3% da contribuição previdenciária, a despesa com pessoal e encargos sociais vai crescer ainda menos em 2018. O Júnior propõe na LOA autorização para gastar com a folha 3,621 bilhões, um crescimento de 11% em relação ao gasto de 2017, projetando, assim, uma despesa inflada em pelo menos 200 milhões de reais.

Por fim, a previsão do pagamento de juros e amortizações da dívida também é irreal. De janeiro a outubro foram gastos 200 milhões, o que o sinaliza que a despesa deste ano muito provavelmente não ultrapassará os 240 milhões. A LOA/2018 estima uma despesa de 332 milhões, no mínimo 70 milhões a mais do que afetivamente será gasto.

Marchezan Júnior forjou um déficit astronômico em 2018 para justificar o prosseguimento de seus desatinos e maldades.

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