Frances de nascimento, Dowbor veio menino para o Brasil. Nasceu no início da segunda guerra mundial, em 1941, vitimado pela invasão alemã. Como se sabe, a França não ofereceu efetiva resistência, facilitando a ocupação nazista. A reacionária direita francesa instalou o governo fantoche em Vichy, sob liderança do marechal Philippe Petain: uma vergonha nacional.
Dowbor é, provavelmente, dentre os economistas e pensadores brasileiros, o que mais se dedicou ao estudo das transformações recentes do capitalismo. Integra um grupo de pesquisadores de vários países preocupados com o explosivo aumento da desigualdade, dos desastres ambientais e a com a deterioração da política em escala mundial.
Dentre suas mais de 40 obras certamente a que oferece uma visão global e lúcida das transformações do capitalismo, leitura obrigatória, é “O capital improdutivo”. Esta e toda sua obra está disponível na internet, no blog https://dowbor.org.
Nas décadas que se seguiram à segunda grande guerra – meados dos anos quarenta até os anos setenta – o acelerado processo de acumulação de capital resultou num acelerado crescimento econômico mundial. Seria ingenuidade pensar que a face perversa do sistema – o aumento das desigualdades, concentração do poder político e danos ao meio ambiente – tenham sido atenuados. Não, o capitalismo não perdeu o seu caráter predatório, destruidor. Mas, pelo menos, ofereceu uma compensação: uma parcela – pequena, é claro – do aumento da renda e da riqueza favoreceu a grande maioria da população. A fome diminuiu, as taxas de mortalidade baixaram, a expectativa de vida aumentou.
A partir dos anos oitenta do século passado o capitalismo transita para sua etapa atual: consolida-se o neoliberalismo, uma ideologia que defende a liberdade econômica total para o setor privado, a redução ou até o fim dos controles estatais, a venda do patrimônio público, a privatização dos serviços de educação e da saúde, o estado mínimo. Parcelas significativas dos lucros que engordam as grandes fortunas, anteriormente destinados ao investimento produtivo – plantas industriais, obras públicas – são reorientados, passam a alimentar o processo especulativo. Os chamados “bancos de investimento” na verdade não investem, apenas especulam com ativos financeiros. Dowbor exemplifica: no Brasil o banco Pactual, por exemplo, é um mero gestor de grandes fortunas, que crescem sem produzir. E cita um dado que evidencia o crescimento do rentismo: em 2010 a União pagou aos credores da dívida pública 125 bilhões de juros; dez anos depois o montante quase triplicou, ultrapassou os 300 bilhões de reais. E além de especular, é prática contumaz desses bancos retirar recursos dos países destinando-os a paraísos fiscais. Óbvias consequências: empobrecem as nações, servindo à lavagem de dinheiro (“limpeza” do dinheiro sujo), promovendo a sonegação fiscal, hoje estimada no Brasil pelas fontes fazendárias em mais de 500 bilhões/ano.
O capitalismo neoliberal à brasileira é um verdadeiro horror: engorda as enormes fortunas de uns poucos, exponencialmente beneficiados por juros abusivos pagos ao setor financeiro pelas famílias, empresas e governo, reduzindo os investimentos das empresas e o poder de compra das famílias. Nos últimos dez anos o nível de endividamento das empresas brasileiras subiu de 42% para acima dos 50% e o das famílias de 83% para 110% de sua renda. O montante de juros pagos ao setor financeiro pelas empresas e pelas famílias representa 16% do PIB que, somados aos 6,5% dos juros da dívida pública, totalizam quase um quarto da renda do país, algo próximo dos 2 trilhões de reais.
Os responsáveis pela área econômica escolheram os encargos trabalhistas, os gastos previdenciários e o excesso de impostos supostamente cobrados como vilões da crise. Grande mentira: na verdade esses são falsos vilões. A especulação financeira, agudizada pelos elevados juros é o grande responsável, a vilã verdadeira. Estima-se que 64% das famílias brasileiras, altamente endividadas, com enormes dificuldades de pagar as dívidas já contraídas, tem nulo poder de compra. Se as pessoas não podem comprar e as empresas além de produzir pouco não tem para quem vender, a economia não cresce. Se formos ver as taxas de crescimento do PIB do país, a variação nos últimos cinco anos, entre 2016 e 2020 foi negativa: – 4,1%.
Além de tudo isso acelera-se a destruição do país. Depois da venda da Vale, da entrega da telefonia ao capital estrangeiro, da privatização dos bancos estaduais, começou uma segunda onda com o ataque e o desmonte da Petrobras e a entrega do Pré-Sal. A operação Lava Jato representou um duro ataque contra as grandes empreiteiras nacionais, prepara-se a privatização dos Correios e da Eletrobras. Esvazia-se o BNDES e o capital financeiro internacional pretende, também, abocanhar a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Se a eleição de 2022 não trouxer uma radical mudança do atual quadro político não há nenhuma dúvida que o Brasil terá comprometido seu futuro como nação.
O resultado, em escala planetária e aqui no país de forma muito mais dramática e aguda a gente já sabe. Há sinais que, felizmente, a maioria da população começa a perceber que o aumento da desigualdade, os desastres ambientais e deterioração da política são consequências de políticas equivocadas, contrárias ao interesse do país e da maioria da população.
Estima-se que 800 milhões de pessoas (mais de 10% da população mundial passa fome); no Brasil metade da população tem carências alimentares, 20 milhões passam fome. Apenas os oito indivíduos mais ricos são donos de metade da riqueza mundial, a soma do patrimônio de 3,9 bilhões de pessoas. No Brasil a riqueza concentrada nas mãos de apenas seis famílias é igual ao patrimônio dos 50% mais pobres, mais de 100 milhões de pessoas. A situação é dramática, insustentável. Só com um massivo processo de conscientização, de mobilização popular e de muita luta a mudança vai ocorrer.