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Júnior: “Encrenca é o meu negócio”

Busquei o título lembrando de um conto de Raymond Chandler, “Trouble is my business”, leitura de muitos anos atrás. Na estória de Chandler o encrenqueiro era o detetive Philip Marlowe, um cara durão, com um fraco por mulheres fatais que enfrentava qualquer “parada” para combater a bandidagem de Los Angeles lá pelos anos trinta e quarenta. Marlowe virou personagem cult do romance policial noir norte-americano.

Este perfil, adequado para um detetive da “velha guarda” não é, certamente, conveniente para um prefeito eleito para administrar uma das grandes capitais brasileiras.

A gente sabia que, pela sua origem e passado político, filiação partidária, seu voto favorável ao impeachment de Dilma, que o Júnior iria trilhar o caminho da direita neoliberal a que pertence: exaltação da meritocracia e implantação do PGQP — Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade — linha Gerdau. Sua pauta era previsível: redução de despesas, especialmente com funcionalismo, diminuição do número de secretarias, autarquias e empresas públicas – corte dos gastos na área social – em educação, saúde e assistência social –, aumento da contratação de serviços de terceiros e venda do patrimônio público.

O que ninguém poderia imaginar é que ele tivesse o elevado grau de truculência, imaturidade e inabilidade política que vem revelando desde que foi eleito no final de outubro passado.

Antes de assumir saiu atirando. Tentou impedir na justiça que Fortunati antecipasse o calendário de pagamento do IPTU com desconto, prática usual da Fazenda Municipal há muitos e muitos anos. Não teve sucesso, amargou sua primeira derrota. Sabia que a antecipação seria fundamental para viabilizar o pagamento do décimo terceiro do funcionalismo e, assim, apostou no atraso e num provável pagamento do 13º em 2017. Parcelado, é claro.

Na fase de transição, ao tomar conhecimento das dificuldades futuras, bateu sem dó nem piedade no governo Fortunati, parecendo esquecer que seu partido, o PSDB, dele participou desde 2005. Exagerou na sua versão do que classificou como um verdadeiro “caos financeiro”. As dificuldades da Prefeitura são conjunturais, superáveis a curto prazo.

Sem qualquer discussão com a comunidade escolar alterou horários e rotinas das escolas, comprando uma briga desnecessária com os professores. Depois, ignorou os técnicos da prefeitura e assinou um convênio sem licitação com uma fundação do PSDB, a Comunitas, para realizar o diagnóstico inicial e orientar as primeiras iniciativas do seu governo. A Comunitas, se viu em seguida, era apenas uma cortina de fumaça para o desembarque dos técnicos da Falconi Consultoria de Resultados. É impossível acreditar que uma grande consultoria nacional estaria trabalhando graciosamente para a Prefeitura. Nova ação judicial sustou o convênio com a Comunitas. Segunda derrota.

Apressou-se em declarar guerra aos servidores: anunciou o parcelamento e atraso de salários. Elaborou, também, projetos de lei que acabavam com a obrigatoriedade da reposição da inflação (IPCA) além do aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14%. Quando os servidores apoiaram a greve geral contra as reformas trabalhista e previdenciária e de repúdio ao arrocho salarial chamou-os de “baderneiros” e “mercenários”. Deu um recado aos trabalhadores da Carris, ameaçando-os com a privatização da empresa.

Decorridos seis meses o governo Júnior não começou. Ele só acumula pautas negativas: primeiro anunciou o fim do Orçamento Participativo e recentemente a desistência de implantar o projeto do BRT (“Bus Rapid Transit”). Porto Alegre tem, certamente, o pior serviço de transporte público dentre as principais cidades brasileiras. Há um déficit de 400 professores na rede escolar e faltam até folhas de papel para tirar cópias xerox nas escolas. Neste seu início de governo a despesa com a função saúde está abaixo do mínimo legal e a FASC funciona precariamente.

Se tudo isso não bastasse, ao não conseguir votos suficientes para aprovar o “projeto de lei do arrocho”, que o desobrigava de repor a inflação passada em maio, chamou os vereadores não alinhados de “covardes”.

Decorridos seis meses Júnior nada fez, apenas mostrou que é um encrenqueiro, um comprador de brigas. Não anunciou nenhuma medida para a melhoria das finanças municipais. Espaço há. A taxa de lixo cobre menos de 50% da despesa do DMLU com os serviços de coleta, limpeza e capina. Tem que ser ajustada. O IPTU que no seu pico representou 12% da receita corrente total caiu em 2016 para apenas 6,8%. O ISSQN, a principal receita própria de Prefeitura tem, também, um excelente potencial de crescimento, a sonegação é elevada.

O Júnior tem que entender que é hora de arregaçar as mangas e começar a trabalhar. Chega de choradeira e de agressões.

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