Havia a crença de que a Constituinte de 1988, elaborada e inspirada num momento de grande otimismo e esperança, iniciaria um período de consolidação da democracia e de afirmação do Brasil como nação.
A esperança durou pouco. Desde meados dos anos oitenta sopraram por aqui, muito fortes, os ventos neoliberais. Com Itamar Franco e FHC tivemos um período de dilapidação do patrimônio nacional que se estendeu até o final de 2002. O governo FHC foi, certamente, o mais corrupto da história do país. As privatizações desviaram dezenas de bilhões para os bolsos de empresários e agentes públicos. Os responsáveis, na maioria ainda vivos, estão todos aí, livres, leves soltos porque, inexplicavelmente, a grande mídia não denunciou, a polícia federal não investigou, o ministério público engavetou e a justiça não julgou e puniu. Olhos fechados e ouvidos moucos.
Esta sonolência só termina em 2005 com uma denúncia veiculada pela revista Veja sobre o pagamento de propina mensal a deputados federais para votarem a favor de projetos do governo Lula. As investigações e os indiciamentos originaram a Ação Penal 470 em 2012. Foram condenados políticos de vários partidos dentre eles José Dirceu, ministro da Casa Civil do governo Lula, o presidente e o tesoureiro do PT nacional, José Genuíno e Delúbio Soares. Ao contrário do que ocorrera no mensalão tucano que se arrastou por anos e foi pouco divulgado, o mensalão do PT originou o maior show midiático que se viu neste país. O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, virou o herói número 1 da Globo. Ele mereceu: como não foram encontradas provas materiais que comprovassem a culpa de José Dirceu foi buscar na legislação alemã do período nazista a teoria do domínio do fato para condenar sem provas.
Em 2013 Dilma Linhares elaborou projeto que aprovado e sancionado originou a lei 12.850/13, denominada “de combate ao crime organizado”. Dentre outras alterações e inovações na área penal a lei legalizou o uso da delação premiada como forma de facilitar o indiciamento, o julgamento e a punição dos responsáveis pela organização criminosa, além da prisão preventiva sem sentença condenatória. Na prática o que se viu é que prisões preventivas prolongadas por até um ano ou mais funcionam como um mecanismo de pressão que pode facilitar versões que interessam a um julgador que não seja imparcial. A pena do delator pode ser reduzida em até dois terços desde que ele não seja o líder da organização criminosa.
A lei 12.850 tornou possível a operação Lava Jato. É claro que a lei pretendia tornar mais eficaz o combate ao crime organizado ao aumentar a capacidade de intervenção da polícia federal, do ministério público e do poder judiciário. Em contrapartida, ao conceder novos poderes às autoridades corre o risco de originar excessos e desvios que poderão originar mais corrupção das próprias autoridades ou o desrespeito a garantias constitucionais como a presunção de inocência e ao direito de ampla defesa. Na apuração de crimes em que estejam envolvidos agentes públicos o risco é ainda maior num país em que muitos delegados, procuradores e juízes tem preferências partidárias e as manifestam publicamente, sem nenhum pudor. O juiz Sérgio Moro é um exemplo típico. Sua biografia não deixa qualquer dúvida sobre suas simpatias partidárias e seus excessos são frequentes e flagrantes. Ele não julga, acusa. Pesa sobre ele grave acusação que deve ser investigada. Sua esposa Rosângela e seu padrinho de casamento Carlos Zucolotto receberam pagamentos do escritório de um réu da Lava Jato, o advogado e doleiro Rodrigo Duran. Parece que herói n° 2 da Globo tem pés de barro.
Nosso judiciário é um poder conservador hermeticamente fechado numa caixa preta. Nossos juízes aplicam a lei, mas se colocam acima dela. Suas representações classistas são corporativas ao extremo. Sofrem grande influência de uma mídia criminosa, que fabrica versões sem nenhum compromisso com os fatos. A verdade é o que menos lhe interessa. Ministros do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, juízes e procuradores buscam os holofotes, almejam a fama. Depois dão palestras. Quem paga (empresa, universidade privada ou órgão público), quanto recebem eles se recusam informar. Não respeitam o teto salarial por acham que 30 ou mesmo 40 mil mensais não são suficientes para assegurar um padrão de vida de luxo que eles entendem merecer.
Nos últimos meses o que já era ruim degringolou. Janot desrespeitou a lei 12.850/13 e premiou a JBS com uma delação premiada irregular. Ele tinha alvo determinado. Gilmar apoiou os excessos e ilicitudes da Lava Jato, mas quando ela mirou o seu PSDB, quer o seu fim. Ele afirmou que o processo penal no Brasil virou uma bagunça e que só depois da saída de Janot a Procuradoria da República poderá recuperar um mínimo de decência. Joesley Batista, depois de beneficiado pela delação tornou pública gravação expondo Janot. Em fim de mandato, fragilizado, Janot ataca Lula e Dilma para ter a simpatia e o apoio da Globo. Temer emite nota contra Joesley que responde chamando-o de “rei dos ladrões”. O ex-ministro Antonio Palocci, depois de completar um ano de prisão preventiva, resolveu tardiamente abrir o bico e dizer exatamente o que Moro queria: acusou Lula de estar envolvido num esquema criminoso. Vamos aguardar que ele apresente as provas São episódios e mais episódios de uma interminável briga de bugios, pode até faltar matéria fecal.