No final dos anos cinquenta Leonel Brizola, à época prefeito da nossa capital, criou a Secretaria Municipal da Produção e do Abastecimento (SMPA). O eixo central de atuação do novo órgão foi o incentivo ao aumento da produção rural, além da preservação do “pulmão da cidade”. Brizola demonstrou com a criação da SMPA e a defesa do “cinturão verde” ter a visão do bom gestor, qualidade que mais tarde seria comprovada em suas duas experiências como governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. É bom lembrar que à época nossa cidade se urbanizava aceleradamente, com altas taxas de aumento populacional e que o tema preservação ambiental não tinha muito espaço nas ações e decisões de governo, na mídia ou na opinião pública.
Dada a limitação dos recursos municipais a SMPA nunca chegou a ter estrutura suficiente e adequada para criar programas e dar assistência efetiva aos produtores rurais da cidade. Além disso, a concessão do crédito rural subsidiado e a montagem de programas de fomento dependiam como dependem até hoje de recursos das esferas estadual e federal.
No início dos anos setenta o governo federal com o apoio da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – concebeu e começou a implantar um sistema nacional de Centrais de Abastecimento, as CEASAS. Os técnicos pretendiam com a implantação das Centrais tornar disponíveis nas grandes capitais brasileiras locais adequados para a comercialização atacadista, com classificação de produtos, padronização de embalagens, melhoria das condições de armazenagem para reduzir perdas da crescente produção nacional de hortifrutigranjeiros, à época extremamente concentrada em São Paulo. O programa visava incentivar e descentralizar a produção para que outros grandes centros urbanos reduzissem sua dependência em relação ao grande polo produtor paulista. Os hortifrutigranjeiros, por suas características – elevado custo de transporte decorrente do seu baixo preço em relação ao peso e volume e por serem altamente perecíveis – devem, preferencialmente, ser cultivados em áreas próxima dos centros consumidores.
Em meados dos anos setenta começaram a ser inauguradas as centrais brasileiras. A de Porto Alegre, ocupando uma área de 42 hectares na zona norte tinha mais de 70 mil metros quadrados de área construída. Alguns técnicos da Metroplan e da SMPA observaram à época que a mera construção de locais adequados à comercialização resolveria apenas em parte o problema da melhoria do abastecimento de hortifrutigranjeiros no país: menos perdas, mais qualidade, preços menores. Mas se as cidades com produção incipiente – Porto Alegre dentre outras – não fossem beneficiadas com maciços programas de incentivo à melhoria da produção, da produtividade e da comercialização, ficariam reféns dos grandes centros produtores, especialmente São Paulo. Foi o que aconteceu.
Em 1979 quando a Prefeitura aprovou o 1° PDDU – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano -, foram definidas três grandes áreas na cidade. Uma urbana intensiva de cerca de 15 mil hectares, uma urbana extensiva de cerca de 19 mil hectares e uma terceira rural e de preservação ambiental com 15 mil hectares, totalizando os quase 500 km2 que é a área total do município de Porto Alegre.
Em 1999 foi aprovada a Lei Complementar 434, denominada de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental – PDDUA – que, surpreendentemente, extinguiu a área rural, criando apenas duas áreas, a urbana e a rururbana.
Dezesseis anos depois, já em 2015, a zona rural da cidade passa novamente a existir legalmente através de aprovação do Projeto de Lei Complementar 07/2014. A nova zona rural da cidade ocupa apenas 8,2% do território da cidade, cerca de 4,1 mil hectares, sendo quase quatro vezes menor do que era quatro décadas atrás. Duras crítica foram feitas ao polêmico projeto: ter excluído núcleos de propriedades rurais existentes, cortando propriedades pelo meio, falta de mecanismos de preservação das áreas verdes e de instrumentos para pelo menos limitar o desenfreado processo de urbanização ocorrido nas últimas duas décadas na zona sul. Lamentavelmente duas importantes emendas, a que concedia prazo de cinco anos para a redução gradativa até a proibição do uso de agrotóxicos e a produção de alimentos transgênicos, foram rejeitadas.
A zona sul vem dando mostras de ter chegado ou até ultrapassado o seu limite de crescimento demográfico. Enfrenta crescentes problemas de mobilidade urbana e sua infraestrutura e seus serviços urbanos dão claros sinais de esgotamento.
Tramita na Câmara Municipal o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE) n° 05, enviado este ano, propondo mudanças no regime urbanístico de uma grande propriedade rural localizada entre Belém e o Lami, com área de 426 hectares, o famoso Haras do Arado, com vistas à construção um grande núcleo residencial com milhares de novas habitações.
O EPHAC – Escritório do Patrimônio Histórico e Cultural – da Secretaria Municipal da Cultural (SMC) realizou pesquisas e estudos e encaminhou à Secretaria Municipal de Urbanismo (SMURB), em 2012, uma proposta de arrolar o Haras do Arado como área de preservação ambiental, tombada como bem integrante do patrimônio histórico e cultural da cidade. Trata-se de área nobre, de localização privilegiada, junto ao lago, com abundante e rica vegetação. Decorridos mais de três anos o projeto continua em compasso de espera no órgão de planejamento urbano da Prefeitura.
É de se estranhar que, decorrido menos de um mês da data da aprovação do projeto de lei do Executivo que recria a área rural de Porto Alegre, tramite um segundo projeto, também do Executivo, que reverte para uso urbano justamente a área mais nobre do núcleo rural recentemente criado. Será que a sociedade civil organizada, representada pela AGAPAN, IAB, Sindicato Rural de Porto Alegre, dentre muitas outras entidades, vai permitir que os interesses imobiliários mais uma vez prevaleçam? Por que a proposta do EPHAC foi desconsiderada, engavetada, e não foi sequer discutida? Será mais uma vez mutilado o plano diretor da cidade?