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MILITARES E A ELEIÇÃO DE 2022

Daqui a pouco mais de quatro meses e meio teremos o primeiro turno da mais importante eleição da história do país.
Decorridos seis anos do golpe de 2016 que derrubou Dilma Roussef, a situação do país não poderia ser pior: assumiu um vice-presidente traidor que começou o desmonte do país com ataques aos direitos do trabalhador, mudanças na legislação trabalhista e na legislação previdenciária – mais anos de trabalho e aposentadorias e pensões menores -, congelamento salarial do funcionalismo público e redução do salário mínimo. A Lava-Jato já deixara mais 4,4 milhões de trabalhadores desempregados com a destruição das grandes empreiteiras da engenharia nacional. Temer foi além, reduziu os gastos sociais, entregou o pré-sal e retomou e acelerou as privatizações.
O pior – era quase impossível acreditar que pudesse piorar –, aconteceu dois anos depois, em 2018. A prisão e a inelegibilidade de Lula tornaram possível a eleição de Bolsonaro. Como muitos já sabiam e logo o Brasil inteiro constatou, trata-se de um político obscuro, representativo do que de pior tem a malfadada política carioca, estado dominado pelas milícias e pelo tráfico, e que nas últimas décadas, teve um eleitor que reiteradamente erra: Wilson Witzel, Sérgio Cabral Filho, Rosinha e Anthony Garotinho, Marcelo Crivella, Cesar Maia, Pezão, Moreira Franco, uma longa lista de prefeitos e governadores são uma prova disso; Leonel Brizola, certamente, foi um ponto fora da curva.
O carioca elegeu oito vezes Jair Bolsonaro deputado federal; na última eleição ele teve uma votação extraordinária. Trata-se de um ex-tenente do exército envolvido em ilicitudes, que deveria ter sido expulso da corporação. Foi beneficiado por uma velha tradição, prática comum no exército e no poder judiciário: quando um dos seus membros comete grave irregularidade, não é punido e sim premiado: é precocemente aposentado com salário integral.
E o eleitor brasileiro, num momento de crescimento da direita mundial e brasileira e de uma implacável perseguição a Lula e ao PT, elegeu Bolsonaro presidente. Nada poderia ser pior.
Decorridos trinta anos, o país tem, novamente, um governo militar e um militar no poder? Não exatamente. Primeiro, Bolsonaro é um velho político conservador, um populista de extrema direita, um ex-militar de baixa hierarquia, reformado há mais de trinta anos. Foi beneficiado pelo golpe e pela prisão de Lula, mas a verdade é que venceu as eleições com 57 milhões de votos, o que não é pouco. Segundo: o golpe de militar de 1964 contou com apoio político e militar dos Estados Unidos e ocorreu no auge da chamada “guerra fria”. O exército contou com o apoio da grande mídia nacional e de uma forte mobilização de setores da opinião pública – majoritariamente integrada pela classe média conservadora e católica – e assim conseguiu desfechar um golpe e iniciar um período ditatorial. O pretexto do golpe de 64 foi impedir o avanço do comunismo no país, num momento de consolidação da revolução cubana e de expansão da União Soviética.
O golpe de 2016 contra Dilma tem origem e uma história totalmente diferente. Seu objetivo principal foi consolidar o avanço do neoliberalismo brasileiro – temporariamente e em parte contido no ciclo dos governos Lula e Dilma (2003/2016). Retomada das privatizações, leia-se – entrega do patrimônio nacional a preços de banana, do pré-sal ao capital estrangeiro, congelamento salarial, redução dos direitos trabalhistas, das aposentadorias e das pensões. Liberdade total para o capital financeiro e redução do tamanho e das funções do estado completaram o quadro. A entreguista e ultra atrasada oligarquia brasileira adentrou o paraíso.
O que a direita não contava era com o total despreparo de Bolsonaro. Por várias razões ele servia e pelo menos, até agora, serviu porque fez o que lhe cabia fazer. Indicou Guedes, um banqueiro serviçal que cumpriu à risca o receituário neoliberal que lhe foi entregue. O problema é que o brutal aumento do desemprego, a redução dos salários combinado com disparada dos preços trouxeram a volta da fome que já atinge hoje mais de 20 milhões de pessoas. Além disso, metade da população não consegue satisfazer integralmente as suas necessidades alimentares, os preços da cesta básica dispararam. A inflação penaliza principalmente os pobres: são hoje milhões e milhões pedindo esmolas, perambulando nas ruas. O resultado: pesquisas recentes informam que 67% dos eleitores brasileiros não votariam em Bolsonaro em hipótese alguma. O neoliberalismo exagerou na dose, por isso não deu certo.
Há, também, a desqualificação de Bolsonaro, desgastado depois de quase três anos e meio de desatinos e ações estapafúrdias. Violento, grosseiro, machista, racista, não governa. Além das frequentes bravatas e ameaças, se limita a realizar repetidas motociatas.
A escolha de seus ministros não poderia ser pior: quase todos foram acusados, envolvidos em escândalos. Colocou 8 mil militares em cargos públicos federais sem qualquer critério. O resultado foi uma sucessão de episódios lamentáveis: compras superfaturadas de próteses penianas, de milhares de toneladas de picanha, de viagra, dentre outros, que viraram piada, comprometendo a imagem da corporação. O negacionismo do surto da Covid, o atraso e as irregularidades na compra de vacinas, responsáveis pela morte de mais de mais de 600 mil brasileiros e os escândalos nos ministérios da saúde e da educação completam um quadro extremamente negativo. Há também o histórico da “famiglia”: mãe, esposa, ex-esposas, filhos (1, 2, 3 e 4), outros parentes, assessores e ex-assessores, todos envolvidos, denunciados e investigados ou suspeitos de envolvimento em graves ilicitudes.
É verdade que o exército brasileiro teve, historicamente, um protagonismo político conservador, é um fiel aliado da oligarquia, o que alimenta temores de muitos. Mas o cenário político atual indica chance zero do exército liderar uma virada de mesa caso ocorra o previsto: a derrota eleitoral de Bolsonaro nas eleições deste ano.
O fenômeno político Bolsonaro – cujo fim, acredito, se aproxima -, traz um alerta e uma grande preocupação para o futuro. Depois de tudo que aconteceu no país, como se explica que ele tenha, ainda, o apoio e o voto de 30% dos eleitores? São mais de 60 milhões de brasileiros – na sua grande maioria pobres ou muito pobres – sem instinto de conservação e consciência de classe.

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