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O FIM DA HEGEMONIA OCIDENTAL

Os anos oitenta do século passado marcam o fim de um ciclo capitalista. Finda a segunda guerra mundial, a economia americana iniciou um longo período de crescimento, favorecida pelos lucros acumulados durante a própria guerra, em boa parte aplicados nos planos de reconstrução da Europa e do Japão. Foram quase quatro décadas de um capitalismo intervencionista, chamado “estado de bem estar social”, período em que o grande “motor americano” puxou a economia mundial. Foi, também, um período marcado pelo confronto EEUU/União Soviética, a chamada “guerra fria”. Ocorre uma incontestável consolidação da liderança e da hegemonia norte-americana, especialmente a partir fim da União Soviética, ocorrida no início dos anos noventa.
No início dos anos oitenta, sob o comando de Reagan e Thacher, o capitalismo iniciou e consolidou uma nova etapa, cuja característica principal foi retirar do Estado do centro do cenário econômico. Um Capital robustecido decide, e consegue, se livrar das amarras que o Estado lhe impunha. Diminuí-lo, é seu objetivo. E consegue, objetivo plenamente alcançado. Reduzir suas funções e, assim, seu tamanho. Terminar com os controles e as regulamentações, especialmente sobre o setor financeiro. Para “enxugá-lo” vieram as privatizações, a contratação de serviços de terceiros. A redução dos controles sobre importações e exportações para dinamizar o comércio e acelerar o crescimento, é o vencedor discurso da globalização. A desregulamentação do trabalho – fim das garantias da legislação trabalhistas – resultou em precarização e redução salarial. Por fim a propalada necessidade do chamado equilíbrio fiscal justificou a redução dos gastos públicos da área social: menos dinheiro para a educação, para a saúde e para a assistência social. O Capital não precisou morrer para chegar ao paraíso. Consolidou-se o neoliberalismo, avançou a globalização.
Decorridas já mais de quatro décadas de neoliberalismo, os resultados estão aí: temos uma gigantesca concentração da renda e da riqueza, jamais vista em escala planetária, queda da participação dos salários na composição do PIB, aumento do desemprego. As condições de vida do americano e o europeu médio pioraram. O crescimento beneficiou apenas alguns, alimentando um grande e crescente desalento.
Esta insatisfação não resultou em crescimento dos movimentos populares ou dos partidos de esquerda. O fim da União Soviética no início dos anos noventa sepultara o sonho socialista. Os partidos comunistas europeus perderam protagonismo político, as bandeiras vermelhas sumiram, saíram de cena.
A insatisfação da maioria foi canalizada para fortalecer a direita, especialmente a extrema direita. Os descontentes passaram a culpar a globalização e “invasão estrangeira” como as causas das crescentes dificuldades. A globalização, ao abrir indiscriminadamente nossas fronteiras, afirmam, permitiu que os produtos estrangeiros destruíssem a produção nacional. É o discurso dos pequenos agricultores franceses, importante base de apoio de Le Pen. Os imigrantes “chegam para roubar nossos empregos, ocupar vagas nas nossas escolas públicas e hospitais”. Cresce a xenofobia, o racismo, a intolerância religiosa. Os valores da velha democracia liberal – defesa intransigente dos direitos da cidadania, tolerância política e religiosa – perdem força, criando um ambiente propício para o florescimento das velhas doutrinas totalitárias. Não é a repetição do nazismo alemão lá dos anos vinte do século passado: Hitler canalizou o orgulho, e o ódio nacional com um discurso que prometia construir um grande império. O neonazismo europeu atual é bem mais modesto, não ambiciona construir um grande império nacional, contentando-se em ser um mero vassalo submisso à liderança e a serviço dos interesses norte-americanos.
Enquanto a Europa e os Estados Unidos enfrentavam os dilemas de quatro décadas de neoliberalismo, a China, sabemos, avançava em ritmo acelerado, hoje, na verdade, em velocidade menor do que a do passado recente. A abundância de recursos naturais e de mão de obra barata e a montagem de um sistema híbrido – incentivo à formação de grandes conglomerados privados sob o controle de um forte poder estatal encarregado do planejamento – formam a base do “milagre chinês. Pesados investimentos estatais em infraestrutura e em pesquisa pura e aplicada garantem o avanço tecnológico, a elevação da produtividade e da competitividade. Controle estatal do câmbio e dos juros, formação de reservas internacionais, planejamento assentado no controle do processo de formação do capital asseguram a solidez futura da economia chinesa que avança para, como se anuncia, tornar-se em poucos anos a maior economia do planeta.
Depois de mais de uma década que se seguiu ao fim da União Soviética, a Rússia, especialmente a partir dos últimos quinze anos foi recuperando sua condição de potência. Vladimir Putin aos poucos foi colocando a casa em ordem, iniciou e agora concluiu uma recuperação que consolida o orgulho nacional destruído nos anos noventa.
Quando, a partir de 2014, ocorre o avanço da OTAN na Ucrânia a Rússia sentiu-se suficientemente forte para dar um basta. A resposta que não dera quando a OTAN instalou dezenas de bases militares em vários países da Europa Oriental, próximos de suas fronteiras. Mesmo que tardia, a resposta russa foi enérgica, para alguns inesperada: invadiu a Ucrânia. O conflito consolidou a aliança China-Rússia, uma clara ameaça ao até então mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos.
O cenário atual dá claros sinais de que ocorre um deslocamento do eixo dinâmico da economia mundial do Ocidente (América/Europa) para o Oriente (Ásia). Tudo indica que estamos vivendo os anos que antecedem fim da hegemonia ocidental.

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