Pensamento crítico sobre Porto Alegre, o Brasil e o Mundo.

PORTO ALEGRE VAI SER A NOVA “HOLLYWOOD DOS PAMPAS”?

Não há razões que justifiquem o ufanismo gaúcho. Estado situado no extremo setentrional do país, começou a ser colonizado tardiamente, em meados do século XVIII.
Nossa economia surgiu de uma dicotomia: o latifúndio improdutivo de um lado ocupando vastas regiões do centro-oeste se estendo até a fronteira; do outro um nascente polo comercial com Pelotas, os portos de Rio Grande e Porto Alegre, ligados a áreas de pequenas propriedades colonizadas ao longo do vale do Taquari, povoada por imigrantes europeus, especialmente italianos e alemães.
A hegemonia política, infelizmente, pendeu para o setor mais atrasado, o da pecuária extensiva. Eram pequenos rebanhos criados em vastas extensões de terra, atividade de baixíssima produtividade. Os criadores constituíam uma oligarquia atrasada, beligerante, violenta e escravagista.
Em 1835 esta oligarquia rural exigiu do poder central a concessão de vantagens que, não atendidas, resultaram numa rebelião contra o Império, chamada de Revolução Farroupilha e, também, de “Guerra dos Farrapos”. O conflito durou dez anos, dividiu a província porque a capital, Porto Alegre permaneceu fiel a Dom Pedro II. Apesar de derrotados, os “farrapos”, como eram denominados os revoltosos, foram bem tratados nos acordos de paz. Suas principais lideranças ganharam medalhas, indenizações, honrarias. Não convinha ao Segundo Império em construção ter como inimigos lideranças que controlavam vastas extensões rurais e as fronteiras de uma província situada no distante extremo setentrional.
Apesar de derrotados os proprietários rurais construíram uma falsa versão de vitória. Nos registros históricos consta que lideraram “um heroico movimento de defesa dos legítimos interesses do povo gaúcho”. Como se vê, a história do Rio Grande do Sul foi construída com base numa mentira. A própria letra do hino oficial do Estado exalta o “heroísmo” farroupilha. Uma mentira repetida reiteradas vezes ganha status de verdade.
O centro dinâmico da economia brasileira ao longo de quatro séculos foi o comércio exterior. Nossos ciclos econômicos – do pau brasil ao café – se assentaram em “monoculturas de exportação”. Desempenhamos fielmente o papel secundário que nos foi reservado na chamada Divisão Internacional do Trabalho: os países desenvolvidos liderados pela Inglaterra nos venderam suas manufaturas a preços crescentes, adquirindo nossas matérias primas a preços aviltados. Convivemos séculos e séculos vitimados pela chamada “deterioração dos termos de troca”, uma verdadeira sangria que Eduardo Galeano chamou de “as veias abertas da América Latina”.
Esta gauchada, que há quase dois séculos atrás eram chamados de “maragatos”, é a mesma de hoje. Continua poderosa e predadora. Os maragatos se autodenominam hoje de neoliberais. Fazem o mesmo, vivem da velha pecuária e da agricultura de exportação, assentada no binômio soja-carne. Nos últimos anos, beneficiados pelo dólar forte aumentaram seus gordos lucros. São representados, principalmente, pelas bancadas do DEM e do PP, apoiados por outras siglas comparsas como o PSDB, o PFL, hoje denominado Democratas, o NOVO, que, paradoxalmente, apenas defende o que é muito velho, dentre outros partidos conservadores. Sem falar no MDB, que depois de muito conviver virou uma espécie de Arena 2 e do PSB e do PDT, que se desviam para a direita. Sinistros. São adeptos das políticas do estado mínimo, do congelamento salarial, da precarização do trabalho, atacam o serviço e os servidores públicos, defendem a redução dos gastos sociais, privatizam e terceirizam. Ontem viviam dos saques, do contrabando, da miséria do peão de estância. Nunca se importaram com a pobreza da maioria ou com a destruição do país. Seu lema: ganhar dinheiro. A nação não lhes interessa, o povo que se lixe!
O que esperar de um país governado por uma elite predadora que não tem um projeto nacional? De um estado como o Rio Grande, que falsificou sua história? De um povo explorado, alienado, enganado por uma mídia sem compromisso com a verdade?
Desde o golpe de 2016 o país vive o pior momento de sua história. A Lava Jato destruiu engenharia nacional. Temer e Bolsonaro desferiram um feroz ataque que mutilou a Petrobras. Entregaram o Pré-Sal. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos, salários foram congelados, as reformas trabalhistas retiraram direitos históricos dos trabalhadores, dezenas de milhões de brasileiros passam fome. O desgoverno Bolsonaro levou o país ao caos, está destruindo o Brasil.
Aqui no Estado os partidos conservadores adotam políticas neoliberais, atacam o serviço e o servidor público. Em Porto Alegre desde 2005, ano em que assumiu Fogaça, sucederam-se prefeitos que em 2024 vão completar duas décadas consecutivas de governo. E o pior: cada prefeito eleito consegue ser pior que o anterior.
Governos sem raízes não apenas comprometem nosso futuro. Nos expõe ao ridículo, são piegas, provincianos. Na falta de valores próprios, buscam suas “fontes de inspiração” no estrangeiro. Não é por acaso que no nosso estado vizinho, Santa Catarina, um grande empresário do comércio varejista nacional escolheu como símbolo da sua empresa a estátua da Liberdade. Marchezan Júnior, então prefeito, ao regressar de uma viagem a Londres anunciou sua intenção de instalar uma roda gigante imensa na nossa capital, igual à que o encantara na capital inglesa. Na semana passada a Secretaria Extraordinária dos Festejos Comemorativos dos 250 anos de Porto Alegre exagerou. Anunciou que estuda a ideia de colocar num dos morros da cidade um imenso cartaz, a exemplo do que existe em Hollywood. Ideia ridícula! Que a relação existe entre o cartaz de Hollywood e os 250 anos da nossa Porto Alegre?
Triste. São evidências óbvias de um país sem raízes, que falseia sua história, que, na ausência de valores e símbolos próprios, cultiva os alheios. Quando vamos começar a trilhar nossos próprios caminhos?

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