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Em defesa da Carris

No dia 9 de junho próximo, a Companhia Carris Porto Alegrense completará 145 anos de serviços prestados à população da cidade. Seis gerações de porto-alegrenses foram por ela atendidas: transporta o hoje a criança, o pai e o avô e no passado nos seus carros puxados por mulas, nos seus bondes e troleys elétricos viajaram o tetraavô, o tataravô e o bisavô. Por isso a Carris não é apenas uma empresa, é parte da memória e da história de Porto Alegre. Este convívio cotidiano, de quase um século meio com o morador da cidade, faz que ele tenha por ela um grande carinho.

O transporte urbano é um serviço essencial, direito do cidadão e, por isso, tem natureza pública. Pode ser delegado a empresas privadas através de concessão, mediante licitação pública. Mas o controle operacional para avaliar a qualidade do serviço e a fixação da tarifa são atribuições do poder público.

Ao longo de sua história a Carris teve um papel fundamental no transporte de passageiros da cidade. Já no início do século passado a empresa substituiu os veículos puxados por mulas e introduziu o bonde elétrico, que garantiu o serviço durante a segunda guerra mundial, quando o petróleo tornou-se escasso e em alguns períodos praticamente inexistente. Mais tarde vieram os troleys, os ônibus elétricos. A empresa foi, também, pioneira na introdução de inovações tecnológicas importantes: garantir a acessibilidade aos cadeirantes; o uso do biodiesel, fundamental para reduzir a poluição, além do início da implantação dos coletivos com ar condicionado. Mas a mais importante contribuição da empresa, sua marca registrada são as linhas transversais. Elas trouxeram economia de tempo e redução do gasto diário com transporte. Antes delas, o passageiro ia do bairro A ao centro e de lá pegava um segundo ônibus para o bairro B. Nos anos setenta era apenas 4 linhas, hoje são 13 mais as variantes (linhas diretas). As linhas transversais da empresa transportam hoje cerca de 35 milhões de passageiros por ano. Considerando-se o valor atual da tarifa podemos dizer que as linhas transversais da Carris proporcionam aos seus usuários, pela redução do número de viagens, uma economia não inferior a 100 milhões de reais por ano.

A história evidencia que a Carris tem condições potenciais de voltar a ser a melhor empresa de transporte urbano não só de Porto Alegre, mas do Brasil, como ocorreu no passado recente. É certo em que em alguns períodos más administrações trouxeram à empresa sérios prejuízos não apenas financeiros: comprometeram seriamente a sua imagem. A pior combinação: déficits crescentes e queda da qualidade do serviço. Foi assim no governo Collares e, especialmente, neste longo ciclo dos governos Fogaça-Fortunati (2005/2016). Meus amigos mais educados me recriminam, não adianta, teimo chamá-los de governo Fo-Fo. Foram doze anos de desgoverno na Prefeitura, um desastre, especialmente na Carris e na Procempa. Na Carris direções incompetentes, autoritárias, predadoras cometeram atos ilícitos de toda ordem. Licitações fraudadas, contratação de serviços sem licitação, compras superfaturadas, propinas, realização de obras em área de rua projetada no plano diretor, multiplicação do número de CCs e até um misterioso desaparecimento de vales-refeições. Um horror. A leitura das inspeções do Tribunal de Contas/RS revela isso e muito mais.

Há, também, inchaço de pessoal. O Portal da Transparência da Prefeitura informa que eram 2.317 trabalhadores em abril passado. Ora, como a empresa operou há poucos anos atrás com um efetivo de cerca de 1750 servidores, é evidente que há que explicar o porquê deste aumento do efetivo de pessoal. Uma das causas dos déficits crescentes da empresa – cerca de 120 milhões no último triênio – é certamente a combinação da redução do número de usuários pagantes com o aumento da folha salarial.

O sistema de transporte coletivo por ônibus da cidade vive um momento delicado. A tarifa tem subido muito acima da inflação. Tarifa cara, menos passageiros. Além da tarifa mais cara, há, também, a queda da qualidade do serviço e a redução da velocidade média que significa maior tempo de viagem. Cada vez menos pessoas viajam de ônibus. Gera-se, assim, um indesejável círculo vicioso que tem que ser rompido. Além disso, o número de isentos tem crescido, baixando ainda mais o IPK/equivalente. É muito bom que as isenções aumentem desde que não resultem em aumentos de tarifa. Há que buscar fontes alternativas de recursos para sustentar este justo benefício.

A greve geral do dia 28 de abril foi o pretexto para que o prefeito Júnior tornasse explícito seu desejo de vender a Carris, privatizá-la, entregá-la ao cartel da ATP, a Associação dos Transportadores de Passageiros. Anunciou sua intenção, como de hábito, de uma forma grosseira, chamando os trabalhadores grevistas de “vagabundos”, transformando sua intenção em ameaça. Ele esquece que a Carris tem raízes na vida do porto-alegrense, uma longa história que a respalda.

Uma Frente Parlamentar em defesa da Carris foi lançada esta semana na Câmara Municipal, iniciativa dos vereadores Roberto Robaina (PSOL) e Paulinho Motorista (PSB) e já conta com o apoio de vereadores de vários partidos, sindicatos e confederações de trabalhadores. Presente no lançamento o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL) vai articular na Assembléia/RS o apoio ao movimento em defesa da Carris.

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