No dia 9 de junho a Companhia Carris Porto Alegrense completou 149 anos de serviços prestados à população de Porto Alegre. Ao longo deste quase século e meio, seis gerações de porto-alegrenses foram por ela atendidas: transporta o hoje a criança, o pai e o avô e no passado, nos seus carros puxados por mulas, nos seus bondes e troleys elétricos viajaram o bisavô, o tataravô e o tetravô. Foi a primeira empresa de transporte coletivo do país, parte da memória e da história da cidade, que tem por ela grande carinho.
O transporte urbano é um serviço essencial, direito do cidadão e, por isso, tem natureza pública. Pode ser delegado a empresas privadas através de concessão, mediante licitação, mas o controle operacional, avaliação da qualidade do serviço e a fixação da tarifa são atribuições do poder público. Infelizmente a maioria dos prefeitos não assume o controle do sistema, entrega a bilhetagem eletrônica, a venda do vale para as associações dos carteis de empresas concessionárias. É o caso da ATP, aqui em Porto Alegre. Sem o controle público, injetar recursos públicos no sistema será jogar dinheiro fora, os subsídios irão apenas engordar o lucro das empresas.
Ao longo de sua história a Carris teve um papel fundamental no transporte de passageiros da cidade. Já no início do século passado a empresa substituiu os veículos puxados por mulas, depois introduziu o bonde elétrico, que garantiu o serviço durante a segunda guerra mundial, quando o petróleo tornou-se escasso e em alguns períodos praticamente inexistente. Mais tarde vieram os troleys, os ônibus elétricos. A empresa foi, também, pioneira na introdução de inovações tecnológicas importantes: garantir a acessibilidade aos cadeirantes; o uso do biodiesel, fundamental para reduzir a poluição, além do início da implantação dos coletivos com ar condicionado. Mas a mais importante contribuição da empresa, sua marca registrada são as linhas transversais. Elas trouxeram economia de tempo e redução do gasto diário com transporte. Antes delas, o passageiro ia do bairro A ao centro e de lá pegava um segundo ônibus para o bairro B. Nos anos setenta eram apenas 4 linhas, hoje são 13 mais as variantes (linhas diretas). As transversais da empresa transportam hoje mais de 30 milhões de passageiros por ano. Considerando-se o valor atual da tarifa podemos dizer que as linhas transversais da Carris proporcionam aos porto-alegrenses, pela redução do número de viagens, uma economia não inferior a 150 milhões de reais/ano.
A história evidencia que a Carris tem condições potenciais de voltar a ser a melhor empresa de transporte urbano não só de Porto Alegre, mas do Brasil, como ocorreu em 1999 e em 2001 quando a Associação Nacional dos Transportadores Públicos (ANTP) concedeu-lhe o título de melhor empresa de transporte público do país. É verdade que nos últimos anos más administrações trouxeram à empresa prejuízos financeiros e queda na qualidade dos serviços, comprometendo seriamente sua imagem. Ocorreu a pior combinação: déficits crescentes e queda da qualidade do serviço. Foi assim no governo Collares (1986/1988). No ciclo petista (1989/2004) a empresa foi recuperada, mas, no ciclo seguinte, dos governos Fogaça-Fortunati (2005/2016) ela foi sucateada. O resultado foi que o balanço da empresa registrou em 2016 um déficit de 74 milhões de reais, 90 milhões a preços atuais. Direções incompetentes, irresponsáveis e autoritárias, cometeram atos ilícitos de toda ordem. Licitações fraudadas, contratação de irregular de serviços, compras superfaturadas, propinas, realização de obras em área de rua projetada no plano diretor, multiplicação do número de cargos de confiança. Marchezan Júnior assumiu em 2017 e, oportunista, encontrou aí o pretexto para justificar e anunciar a privatização da empresa.
Em 2008 a Carris transportou 72,5 milhões de passageiros; em 2019 apenas 52,0 milhões, uma redução de 28%. Causas: queda na qualidade do serviço, aumento do desemprego, arrocho salarial e a concorrência do uber. Menos passageiros transportados, Índice de Passageiros/Km (o IPK) cada vez menor. O governo Marchezan, que também pretendia privatizar a empresa, não teve interesse na sua recuperação, fechou o balanço em dezembro de 2020 com um déficit de 40 milhões. A omissão foi tal, que sequer foram realizados o Inventário Anual e o Relatório da Administração, fato apontado por um Relatório da Auditoria. Um absurdo.
O sistema de transporte coletivo por ônibus da cidade vive um momento delicado. A tarifa tem subido muito acima da inflação. Tarifa cara, menos passageiros. Além da tarifa, há, também, a queda da qualidade do serviço e a redução da velocidade média o que significa maior tempo de viagem. Cada vez menos pessoas viajam de ônibus. Gera-se, assim, um indesejável círculo vicioso que tem que ser rompido.
Infelizmente Sebastião Melo, já no seu primeiro ano de governo tenta acelerar a privatização; os trabalhadores da empresa reagiram como uma forte greve. Há um impasse mediado pela Câmara de Vereadores. O transporte público, como serviço essencial, é direito do trabalhador, cuja gratuidade deve ser garantida àqueles que não condições de pagar, é um direito constitucional do cidadão. Não pode ser entregue à sanha de lucros do setor privado.